Desafios jurídico-regulatórios da economia do compartilhamento

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No trabalho “Breves notas sobre a economia do compartilhamento e seus desafios jurídico-regulatórios” (BAIXE AQUI), a Juíza Federal do TRF da 3ª Região, Sylvia Marlene de Castro Figueiredo, investigou como a estrutura de economia compartilhada pode apresentar desafios jurídicos e regulatórios, em especial como resultado de tensões entre a tutela do interesse público em setores como o transporte e habitação e as plataformas globais. Tomando como ponto de partida a relevância do estudo da Análise Econômica do Direito (AED) para o enfrentamento do tema, o artigo apresenta as características da economia de compartilhamento a fim de, em seguida, demonstrar que a economia do compartilhamento é um desafio jurídico relevante, o qual exige um novo olhar regulatório. A autora reforça o papel da regulação para o estímulo da inovação e da própria economia do compartilhamento. 

 

Como explica a autora, a economia do compartilhamento surgiu em 2008, nos Estados Unidos, no contexto de recessão econômica e queda da Bolsa de Valores. Para tornar os serviços e produtos mais acessíveis, adotou-se um paradigma de consumo baseado no uso, não na propriedade. Desse modo, a economia do compartilhamento possui as seguintes características: 1) diminuição da assimetria de informações entre os contratantes; 2) busca por operar serviços mais escalonáveis a partir de ativos que já existem no mercado; e 3) maior eficiência advinda do uso compartilhado, levando à criação de empregos e à maior mobilidade social, entre outros efeitos socialmente desejáveis. As empresas de economia compartilhada conectam os prestadores de serviço com os usuários, operacionalizando a transação,  cobrando uma porcentagem do valor arrecadado e oferecendo ferramentas de avaliação que diminuem a assimetria de informação, o que produz um aumento da confiança entre os contratantes1.

 

Após a análise do modelo de economia compartilhada, o texto avalia o papel da regulação nesse fenômeno. Segundo Ragazzo, a regulação, na área jurídica, pode ser definida como o “estabelecimento de normas e regras para disciplinar o exercício de certa atividade, bem como estabelecer os direitos e as obrigações  de determinado setor”, com o objetivo de manter ou reestabelecer o equilíbrio de determinado sistema. Desse modo, a regulação econômica pode ter como finalidade “a correção de falhas de mercado, a minimização de externalidades negativas, a diminuição de assimetrias de informações, a promoção de bens públicos e mercados competitivos e a maximização do bem-estar econômico.”2

 

Especificamente sobre a economia de compartilhamento, Julia Cohen destaca que o surgimento das plataformas digitais deve produzir novas relações jurídicas e novos acordos institucionais, tendo em vista que as instituições jurídicas devem se adequar às demandas da sua época. É preciso questionar até que ponto instituições jurídicas devem ceder ao serviço desse poder emergente, pois as leis que regulam esse modelo econômico estão sendo escritas nesse momento3. Edelman e Geradin destacam que a regulamentação desse setor não deve impedir o lançamento de novas tecnologias, como os carros sem motoristas, por exemplo, pois essas inovações trazem eficiência e oferecem benefícios aos consumidores4. Antonialli e Perini salientam que a criatividade regulatória e a criação de modelos pautados na autorregulação e na regulação experimental são chaves para conciliar os dilemas do direito na regulação da economia colaborativa5

 

Portanto, é possível concluir que a economia de compartilhamento é uma inovação que apresenta desafios regulatórios, como a garantia de efetivação dos direitos fundamentais dos usuários e prestadores, sem impedir o desenvolvimento tecnológico. Como visto no texto da Juíza Federal Sylvia Marlene de Castro Figueiredo, a análise econômica do direito é uma ferramenta fundamental para compreender esse setor e os efeitos das alternativas regulatórias desenhadas. Em especial, porque a economia de compartilhamento ainda é uma “tábula rasa ao adensamento da sociedade de consumidores, em que a ideia de consumo é substituída pela ideia de uso do bem”6, sendo necessário assegurar que a “eventual regulação do setor não impeça a criatividade e inovação dessa forma efetiva de prestação de serviços”7

 

Raphael Ferreira Santana Silva, 29/04/2022

 

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* Obtenha aqui acesso ao artigo da juíza Sylvia Marlene de Castro Figueiredo, parte da coletânea "Aplicações em direito e economia", do DEJ.

1. RAGAZZO, Carlos . O direito e a economia do compartilhamento. In: PINHEIRO, Armando Castelar; PORTO, Antônio José Maristrello; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro (coord.). Direito e economia: diálogos . Rio de Janeiro: FGV Editora, 2019, p . 575/579.

2. Ibidem, p. 581/582.

3. COHEN, Julie E. Law for the platform economy. UC Davis Law Review, v. 51, n. 1, p. 204, nov. 2017. Disponível em: https://bit.ly/2JdAm7p. Acesso em: 2 de mar. 2022.

4. EDELMAN, Benjamin G.; GERADIN, Damien. Efficiencies and regulatory short cuts: how should we regulate companies like airbnb and uber? Stanford Technology Law Review, v. 19, n. 2, p. 308, 2016. Disponível em: https://www-cdn.law.stanford .edu/wp-content/uploads/2017/11/19-2-4-e- delman-geradin-final.pdf. Acesso em: 2 mar. 2022. 

5. ANTONIALLI, Dennys; PERINI, Fernando. A economia do compartilhamento em países em desenvolvimento: mapeando novos modelos de negócio e tensões regulatórias . In: ZANATTA, Rafael A . F .; PAULA, Pedro C . B . de; KIRA, Beatriz (org.). Economias do compartilhamento e o Direito. Curitiba: Juruá, 2017, p. 343. 

6. FIGUEIREDO, S. M. de C.  Breves notas sobre a economia do compartilhamento e seus desafios jurídico-regulatórios. In: PINHEIRO, A. C.; PORTO, A. J. M.; SAMPAIO, P.R.P. (Eds.). Aplicações em Direito e Economia, 2022, p. 120.

7. Ibidem, p. 121.